'Se Marília Mendonça partiu, tudo pode acontecer': Como a tragédia fez artistas repensarem carreiras
Morte de Marília Mendonça virou trauma no meio musical Em apenas seis anos como cantora, Marília Mendonça bateu recordes e se tornou o nome mais popular da ...

Morte de Marília Mendonça virou trauma no meio musical Em apenas seis anos como cantora, Marília Mendonça bateu recordes e se tornou o nome mais popular da música no Brasil. Mas sua carreira foi tragicamente interrompida no dia 5 de novembro de 2021, quando a artista morreu aos 26 anos em um acidente de avião, a caminho de um show em Minas Gerais. Uma notícia que chocou o país e, em especial, o meio sertanejo. Nesta terça-feira (22), dia em que Marília Mendonça completaria 30 anos, o g1 lança o podcast "Marília - O Outro Lado da Sofrência", sobre o impacto permanente da cantora na cultura brasileira e na vida dos que conviveram com ela. O primeiro episódio mostra como a partida de Marília gerou um trauma no meio musical e transformou a carreira de alguns artistas (ouça abaixo ou na sua plataforma de áudio preferida). Um luto generalizado se instalou no universo sertanejo após o acidente. Artistas entraram em choque, alguns passaram a sentir medo de viajar em turnês, desenvolveram quadros de ansiedade e depressão e mudaram suas rotinas. "Não foi só um momento de perda. Foi um sacode nas pessoas: todo mundo começou a perceber que as coisas podem acabar a qualquer momento", resume a cantora Luiza Martins: "Eu acho que ninguém foi o mesmo depois." Insegurança Zé Neto e Cristiano estão entre os artistas que repensaram a carreira em meio à experiência com o luto. "Eu confesso que, às vezes, até sinto dificuldade em ouvir as músicas da Marilia porque não cai a ficha", diz Cristiano, em entrevista ao g1. "[A morte dela] desencadeou traumas com a estrada, o medo, a insegurança." Com hits como "Barulho do foguete", "Largado às traças" e "Notificação preferida", Zé Neto e Cristiano ocupam o quinto lugar na lista de artistas mais ouvidos pelos brasileiros na última década, divulgada pelo Spotify no ano passado. Mas, no auge do sucesso, precisaram parar e recalcular a rota: em 2024, os dois ficaram três meses afastados dos palcos porque Zé Neto precisou tratar uma depressão. A dupla Zé Neto e Cristiano com a amiga Marília Mendonça Reprodução/Instagram Um dos fatores que desencadearam o quadro foi a morte de Marília, segundo a dupla. Eles eram amigos próximos da cantora. Zé Neto conta: "Foi uma das piores fases da minha vida, quando ela foi embora. A gente tinha uma proximidade muito grande e eu fiquei muito mal, sabe? Eu não consegui... eu demorei para me reerguer." Foram três anos desde a morte de Marília até Zé Neto decidir procurar ajuda. Nesse período, em meio a uma rotina frenética de trabalho -- a dupla chegava a fazer 34 shows em um mês --, o cantor teve episódios de pânico e problemas com o álcool, que chegou a prejudicar apresentações. "A depressão é uma doença que tira a sua vontade de fazer tudo. Até as coisas que eu mais amava, não tinha vontade de levantar da cama para fazer", conta. "O ser humano tem dificuldade para lidar com a morte, mais ainda com a morte de uma pessoa jovem. Pior: num acidente muito trágico. Isso cria a insegurança e o questionamento: será que eu posso confiar que vai dar tudo certo?", explica a psicóloga Júnia Drumond, especialista em luto. "Em algumas pessoas, isso pode gerar crises de ansiedade, pânico e uma paralisia diante de uma incerteza muito grande", acrescenta. Zé Neto viu sua sua perspectiva sobre problemas de saúde mental mudar a partir da experiência com o luto e a depressão: "Eu achava que isso era coisa da televisão, de gente fraca, até viver na minha pele. Hoje, eu falo que o mundo precisa se cuidar, porque é uma doença silenciosa e que mata mesmo." Nova rotina Mas não foi só isso que mudou. A rotina da dupla também já não é mais a mesma: "Diminuímos os shows pela metade. Hoje, fazemos dois, no máximo três shows por semana. Vejo que muita gente ainda está trabalhando errado ", diz Zé Neto. No meio caro e competitivo da música, a agenda frenética de shows é regra para quem consegue emplacar um hit -- afinal, é daí que vem a grana. "Já ouvi muito esse discurso: se estourou uma música, aproveita, vai fazer show e ganhar dinheiro enquanto está em alta. As pessoas agarram isso e é muito difícil, depois, tirar o pé do acelerador, principalmente quando você aumenta sua proporção, porque aí também aumentam as contas", explica Luíza Martins, que também é cantora sertaneja. Luiza Martins durante entrevista ao g1 Ouviu no estúdio do g1 em São Paulo Fábio Tito/g1 "O artista nunca está sozinho. Tem os prestadores, o empresário que investiu nele... essa estrutura gigantesca precisa ser paga ou devolvida. E só dá para fazer isso com show, trabalho." O acidente com Marília Mendonça foi um gatilho para que muitos nomes da música popular se tornassem mais conscientes sobre o desgaste e os riscos gerados pela rotina de shows e a vida na estrada, seja de ônibus, carro ou avião. "Foi uma coisa assim: o quê? Marília Mendonça? Deixa eu abaixar minha bola aqui porque, se a Marília Mendonça partiu, tudo pode acontecer", descreve Luiza. Ela é mais uma artista uma que redefiniu a rotina de shows após perder a amiga. Menos de dois meses depois, Luiza também se despediu do parceiro de dupla, Maurílio, que morreu em dezembro de 2021, aos 28 anos, vítima de um tromboembolismo pulmonar. "Foi a pior situação da minha vida, que me transformou em uma pessoa completamente diferente. Dei uma pirada, mas também me permiti pirar." "Hoje, eu sei quantos shows consigo fazer para que isso não me adoeça. Eu preciso voltar para casa, preciso dormir de conchinha com minha namorada, preciso cheirar meus gatos, preciso ver minha mãe, minhas irmãs, eu preciso rir, preciso conversar. Se eu fizer 30 shows, eu consigo fazer isso? Não, não consigo, então eu faço menos. Talvez entre menos dinheiro, mas a gente tem que escolher nossas batalhas." Capa de 'Marília - O Outro Lado da Sofrência', podcast do g1 sobre impacto de Marília Mendonça g1